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  • Foto do escritorGuma Kimbanda

Ele e o Arranha Cérebros

Timóteo caminhava lento porque com pressa já lá ia o tempo, tempo esse que por ser célere como ele, desperdiçou tanto ver e sentir. agora ele sentia cada passo como cachorro bebé de dentes afiados que na brincadeira, única que ainda sabe, agarra a mão de seu humano e não mais quer largar.

pensando nisso mesmo, se apercebeu o quanto precisava por aqui andar, tanto por fazer de adiado que se não coube num tempo atrasado, não sabia bem como encaixar no que lhe restava. e tal era a fome de nada deixar passar que no filtro do visto e sentido tanto esbarrou e continuamente foi armazenando naquela gaveta virtual como afinal até aqui vinha acontecendo. desordenadamente guardadas estavam apenas tantas intenções, quantas as vontades de fazer o inadiável e não cair na tentação da inércia, da contemplação vaga e na esperança volátil de fazer o que era irremediavelmente impossível de ainda concretizar. - é... vivia pensando, pensando o viver, o que não é propriamente o mesmo que (no batente) viver. - bem lá no fundo, quem é que se sente solitário, desesperadamente só, quando se rodeia de seres que no gesto pensam, e por aí tão somente ficam felizes como se realmente alguma coisa que valesse a pena aplicassem. - não, ele nunca estava só, porque os pensamentos são energia que se desagrega e atinge distâncias incalculáveis, sendo estilhaços apartados do nuclear e, como todos nós, ele, o outro e todos os demais estavam sujeitos, ao que de boa vontade dispensariam, como quem não quer sujeitar-se aos tiros perdidos, disparados pelos dois lados duma barricada.

enquanto caminhava, falava alto para consigo e descontente para com um outro que o habitava. aquele que mormente o aconselhava e desaconselhava e a quem ele chamava de arranha cérebros. um infeliz que lhe atazanava a consciência insistindo para que ele fosse a diferença das diferenças, um sujeito aprumado, recto, responsável, aplicado, bom ser humano e tão perto da perfeição, como esse outro se achava. - sim ele se achava, ele era inoportuno, fazia perder a graça das coisas que podiam acontecer não pensadas, sem improviso e que nascem sabe-se lá onde, essas que realmente surpreendem e agitam o que vulgarmente lhe chamam deixar fluir e com leveza. -que chato esse outro, lapidado, empedernido, esquematizado, aquele que sabe sempre o que vem a seguir e até o que não vem a acontecer. mais chato ainda era a desconcertante certeza que tinha até de mais alguma coisa que estaria por inventar.

- pois foi caminhando o que lhe pareceram séculos, seguindo para lado algum e não deixando marcas no caminho desconhecido, e pausou. - como não poderia deixar de ser, ficou pensando, pensando pois que nem dormindo se deixa de pensar e descobriu o quanto se distanciou do óbvio, do que realmente importa, do que alimenta, sendo que o outro o avisara - que - quando fisicamente não se tem mais por onde desenvolver, nada impede a melhoria do que mora dentro e não se vê e até a sua dimensão e aperfeiçoamento é possível alcançar. coisas bonitas de se dizer, menos fáceis de acontecer no homem, ele não é complexo como as flores, que fazem todo um trabalho interno que parece fácil, e por nos cativarem pelo somente regar e esperar florescer sempre surpreendendo em sua beleza natural. - as flores são todas perfeitas, inquietantes de belas. mas que não se pense que essa beleza vem só da rega. experimente não falar com elas e verá o que acontece de estranho.

estando ele fazendo o que melhor sabia fazer, pensar, (não que lhe atribua o pensar bem e escorreito) e se apercebeu de que apesar de não estar sozinho como lá atrás descrevi as razões, nem ele, nem o outro, nem os demais atingidos pelos estilhaços, fragmentos de seu pensamento, o poderiam ajudar.

- há caminhos que não têm volta a dar!

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Guma ©2018 . Arte: " Quioca Louca "

Acrílico sobre tela canvas

(Pincel e Espátula)

60 x 60

Autor: #gumartes

1994


Ref: 1250 - Disponível

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